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memes cairão mas reacts vão se erguer
memes, reacts e até quando usamos um mesmo nome pra coisas diferentes
🛸 olá, internautas! 🛸
vou cunhar essa: os memes vão acabar. fim. rip. dê cinco anos e nem as tias velhas (millennials?) vão falar mais sobre isso. nem os marketeiros colocarão em seus tristes ppts. memes ficarão como mais uma forma datada de comunicação, perdido nos arquivos digitais perigando de sumirem pra sempre caso um ato terrorista destrua todos os galpões de estocagem de dados ou um bilionário megalomaníaco decida apagar tudo porque está perdendo dinheiro. os memes se juntarão ao miguxês, já estão quase de mãos dadas em suas covas digitais. descansem em paz 🙏
ok ok, antes das suas incríveis considerações, vamos aos poucos. porque não tô dizendo que vão acabar as imagens na internet, nem que é uma questão que os memes agora têm vida curta, nem que é uma questão geracional e uma ou outra geração que pararam de usar memes, nem que não existe mais imagens “virais”
. não. eu tô falando de um hipergênero discursivo que chamamos meme. para isso, seguem aqui umas palavrinhas dos senhores doutores patrick charaudeau (lê-se xarrodô, ou, em bom português, já rodou) e dominique maingueneau (lê-se manguenô):Vê-se que, para definir essa noção [de gênero discursivo], ora leva-se em conta, de modo preferencial, a ancoragem social do discurso, ora sua natureza comunicacional, ora as regularidades composicionais dos textos, ora as características formais dos textos produzidos. Pode-se pensar que esses diferentes aspectos estão ligados […]
hipergênero é tipo isso, mas um pouco mais confuso. não vou explicar mais do que isso, não. mas vou dizer que o meme é um hipergênero discursivo. ou seja: ele é um discurso que tem ancoragem social, natureza comunicacional, regularidades composicionais e características formais. é um pouco bagunçado porque é um hipergênero, não um gênero, mas se a gente se esforçar um pouco, conseguimos entender que o meme é usado em determinados contextos (digitais) e que tem alguns padrões formais que fazem dele algo específico.
mas eu não tô aqui pra falar sobre o que é um meme. deixemos isso para jovens acadêmicos tristes. eu tô aqui pra dizer que o meme, como hipergênero discursivo, está acabando.
no fundo, no fundo, esse processo de fim já está acontecendo há uns anos, mas foi depois que fiz minha série I'm Not a Robot que comecei a notar isso com mais facilidade. na série, eu basicamente queria criar uma espécie de arquivo da internet através de imagens que encontro on-line (especialmente redes sociais) e algumas fotos minhas, mas acabou que criei uma narrativa de dissociação da realidade física e da noção de eu a ponto do enlouquecimento. sabe, essas coisas leves que a gente vive depois de passar tempo demais nuns buracos da web. enfim. o ponto aqui é que esse trabalho é todo baseado em imagens digitais e, dentre essas imagens, encontram-se memes.
depois de terminar esse trabalho em específico, fiquei com a ideia de continuar essa espécie estranha de arquivo digital, o que me levou a me atentar mais às imagens que as pessoas postam e como elas têm postado essas imagens. e foi aí que eu notei: ninguém mais usa memes.
quer dizer, tem gente que usa. mas eles não funcionam. não são engraçados. não é uma questão de nicho ou de dadaísmo, porque tô aqui falando de nichos dos quais sou versada, eu entendo o que tá sendo colocado ali, mas essas imagens ou imagens-texto simplesmente não geram mais humor. também não é uma questão de esgotamento da imagem, porque estamos falando de algo que vi pela primeira vez e não me gerou impacto nenhum. é algo relacionado ao uso do discurso. pra não dizerem que não dei exemplo, aqui está um tuíte do Tablo (@blobyblo), integrante da banda sul coreana Epik High, promovendo o novo álbum/ EP Strawberry:
o álbum é ótimo. o meme é ruim. e esse não é o único. o tablo passou dias tuitando e retuitando memes sobre o álbum e eles simplesmente não funcionam. é meio incrível de ver assim em grande quantidade. vale mais ouvir o álbum, que tem 12 minutos e é muito foda. mas aqui já estamos numa digressão. porque não é um problema do tablo em específico, nem dos fãs de epik high ou qualquer coisa do tipo. como disse, é uma questão de gênero do discurso.
como disse, é uma questão de gênero do discurso
certas coisas a gente não pensa sozinha, então lá fui eu mandar uma quantidade insana de mensagens para algumas amigas. jumed, lulu, alienticia e av receberam as mesmas mensagens e daí, a partir da resposta de cada uma, a conversa teve um percurso diferente, mas todas bateram nos mesmos pontos de um jeito ou de outro. aqui, gostaria de começar com a lulu, que ao pensar sobre o assunto, começou me dizendo: “as pessoas tem [sic] usado muito mais uma reprodução de estruturas de frase com menções vagas do conteúdo original que gerou a piada”. ela tem razão. e isso tem um nome na ad, que é fórmula discursiva. a fórmula discursiva pode ser uma palavra ou frase que se repete, e a gente tem usado isso pra gerar humor na internet. não é meme porque não é hipergênero, ela funciona de uma outra forma que vocês podem pesquisar aí porque isso aqui não é artigo acadêmico então não tenho que explicar nada a não ser que eu queira (uhuu).
o meme, no entanto, tem uma coisa em comum com fórmulas discursivas, que é a repetição de algo. um meme é um meme porque ele é repetido várias vezes, ele é “viral”. é uma mesma ideia repassada. isso é diferente da fórmula discursiva porque a fórmula discursiva é opaca, ou seja, a gente não sabe muito bem o que ela significa (porque palavras não significam nada quando não estão ancoradas em um “contexto” discursivo, e as fórmulas discursivas perdem essa ancoragem de tanto que são usadas. “é sobre e tá tudo”, por exemplo). mas o meme tem uma ancoragem (vide a definição que dei de gênero lá em cima). só que a maneira com que usamos imagens na internet não funciona mais do mesmo jeito que antes. não que não usemos imagens, mas elas não têm mais essa qualidade de ser repassada da mesma forma que era no começo dos novos anos 10, a ancoragem social mudou.
hoje em dia, cada um meio que escolhe as suas próprias imagens pra criar sentido com o seu próprio texto, não tem mais uma criação conjunta de algo que faz sentido por si só e que, coletivamente, mudamos o sentido. e a gente já vai falar sobre isso, mas antes a lulu colocou uma pergunta importante: será que isso tem relação com mudanças no feed?, e explicou “[é] que eu sinto que as pessoas tem [sic] muito menos controle da audiência [com] quem elas estão falando”. e acho que tem a ver, mas minha teoria é um pouco mais longa.
mas, antes, veja aqui a foto da gata da lulu, que foi quem patrocinou essa newsletter:

minha teoria é um pouco mais longa
é claro que a mudança do funcionamento do feed contribui para a mudança do uso de um hipergênero discursivo. afinal de contas, os discursos não existem flutuantes no mundo, eles são moldados a partir de uma série de coisas, dentre elas, onde raios esse discurso está sendo discursado. então, sim, quando os feeds passam a ter seus fluxos mais controlados pelas empresas (via ordenação algorítmica), os usuários daquela/s rede/s passam a se comportar de outra forma e, com isso, algumas questões discursivas podem mudar.
escrevi assim pra lulu: “tô pensando na chave de uma mudança geral da estrutura das redes sociais pra ‘redes de performance’,
em que as pessoas param de ser tão ativas e se cria as classes de influencer/ wannabe influencer e os lowprofile come quieto. se menos pessoas usam ativamente as redes (porque a estrutura dificulta pessoas ‘comuns’ de terem engajamento e também facilitam que sejam atacadas), elas não constroem coletivamente os memes. não tem como algo ‘viralizar’ da mesma maneira simplesmente porque não tem mais a estrutura que permite o que a gente considerava viral uns anos antes.”“MAS TAMBÉM!!!!”, continuei porque falo muito, “com isso de ‘redes de performance’ acontece que a gente volta pra uma tentativa de individualização do que é criado. então ninguém quer repetir o outro. a gente volta a ter noção de que existe uma autoria e repetir se torna copiar/ kibar. a gente perde a noção de construção coletiva. então não acho que é essa mudança do feed que muda [como usamos o hipergênero meme], mas uma mudança geral dos feeds, que tem a ver com uma estruturação maior de como temos usado a internet.”
e é aí que entra o tiktok.
e é aí que entra o tiktok
nesse ponto da nossa conversa, minha amiga lulu disse: “Concordo bastante, mas acho que tem um papel importante aí do tiktok. O vine tinha essa função de meme em vídeo e construção coletiva. O tiktok tem isso MAS ele é muito mais fechado em bolhas e nem todo mundo vai entender/ ter acesso ao que pra outra pessoa é a piada do momento […] Tem uma questão de velocidade tbm, as coisas surgem e somem no tiktok num ritmo absurdo”.
mas agora a gente para a fita, rebobina e vê toda a história em outra perspectiva. porque assim que mandei as primeiras mensagens pra minha amiga alientícia, ela me disse um pouco confusa em forma de pergunta: “acho que as coisas ou são reação ou são trend?” e a gente já vai falar sobre reação, mas vamos ficar no que a alien chamou de trend.
de acordo com minha amiga alientícia, ela chama de trend “no sentido tiktok da coisa”, que tem a ver com a questão de cada pessoa modificar o post original pra criar um conteúdo. ela deu o exemplo de áudios virais, que cada pessoa faz vídeos parecidos com o mesmo áudio, mas mal ou bem são “de um jeito diferente”.
eu, na minha experiência de internet, decidi não usar o tiktok por uma série de motivos, mas um deles foi essa repetição constante de alguns modelos de edição de vídeo (corte, som, posição da câmera, filtro, coloração etc.) que se tornaram padronizados muito rápido de um jeito que me deixa visualmente desconfortável. meus olhos doem fisicamente se vejo muitos desses vídeos. sem contar que sinto um punhado de neurônios queimando
. não digo nada disso pra desconsiderar o tiktok, muito pelo contrário: é fundamental pensarmos nele. mas acho importante registrar que, pessoalmente, não tenho a experiência de uso dele. então aqui falo através de uma análise de fora, através do que chega pra mim via outras redes ou via o que amigas me mandam que está sendo produzido na plataforma.e aí é que tá. porque a alien colocou uma questão importante: o áudio viral é mais difícil de se traduzir de uma plataforma pra outra. afinal, você só consegue produzir um conteúdo novo com áudio viral em uma plataforma que te permite gerar vídeos. não dá pra criar esses conteúdos no tuíter ou no zap, por exemplo. mesmo que seja possível reproduzi-los. e se você só posta o print de um tiktok, perde-se o sentido que o áudio tem naquela produção.
então, áudios virais não são a mesma coisa que memes. até porque é mais difícil modificar o áudio em si, como acontece com as imagens-texto de um meme. mas isso não quer dizer que prints do tiktok não sejam printados, reproduzidos e modificados plataformas à fora. então por que essas imagens não são memes?
a resposta curta é: o uso deles é diferente. a gente usa ou usava um meme como continuidade de um texto. não era uma comparação, não era uma indicação de sentimento, não era um exemplo de reação ao que contávamos. o meme era contínuo à escrita, como uma vírgula num texto. os prints do tiktok e outras imagens que usamos atualmente costumam ser mais reações ao que falamos ou comparações com o que estamos dizendo.
um caso exemplar que foi apagado então não consigo colocar aqui foi de uma menina que postou no tuíter dizendo que estava na aula de língua estrangeira e falou que se sente “como essa galinha” e, só então, colocou a imagem da galinha de mochila dizendo “ainda tenho muito a aprender”. ela usou a imagem como a gente diria na fala, não como podemos usar nas redes. a imagem não era uma continuação “natural” do texto, mas algo usado como comparação ou referência.
nesse ponto, alientícia e jumed (em uma terceira conversa que foi dar no mesmo lugar) perguntaram: mas e as figurinhas do zap?
mas e as figurinhas do zap?
como uma mulher doida e oficialmente ritalinada, eu também tinha considerado as figurinhas do zap. mas pensando sobre elas, percebi que as figurinhas são usadas apenas de duas maneiras:
react
pontuar o fim de uma conversa de maneira simpática
ou seja: por mais que muitas figurinhas venham de memes no começo, elas não são usadas da mesma maneira que eles. então, elas não são o mesmo hipergênero, mas algo à parte. não são memes.
tá bom, clara, mas cê tem repetido essa palavra. reações, reaction, react… mas ainda não definiu isso. o que é uma reação? porque ela é diferente de um meme? ah! ótima pergunta, internauta!
mas, antes, venho aqui pedir pra você considerar a versão paga dessa newsletter! como cê pode ver, escrever isso tudo demanda trabalho, tempo e energia – coisas que só conseguimos ter na nossa sociedade capitalista via dinheiro. então, se cê curte essas piras e quer ler mais, compartilhe essa newsletter e considere dar algumas moedinhas para essa pesquisadora e tradutora!
ah! ótima pergunta, internauta!
tentando uma definição curta, um react/ reação é uma imagem que exemplifica como a pessoa que fez o post está se sentindo. essa imagem pode ser tanto mais próxima de como uma pessoa reagiria a uma situação, mas de maneira mais exagerada (qualquer imagem pixelada da gretchen, por exemplo) ou pode ser algo mais “lúdico” mas que passa um pathos pro receptor (uma galinha de mochila, por exemplo).
mas como isso seria diferente do que chamamos de meme? vamos tentar fazer isso via dois exemplos diferentes.
o primeiro é o meme do chico buarque feliz, chico buarque triste, que normalmente seria usado sem texto extra. apenas a imagem da capa do álbum do chico e alguma coisa tipo: sexta-feira chegou :), sou freela :(
. fim. essa imagem não tem nem pede um texto extra. você pode modificar o texto original pra qualquer outra coisa, mas não tem nada que você vai escrever a mais fora da imagem, num tuíte ou num post do fb ou instagram, sei lá. a imagem já contém tudo. esse exemplo é fácil de distinguir do que seria um react porque o react precisa estar ancorado a um contexto discursivo mais próximo. mesmo que você poste só um gif da beyoncé com os óio emocionados durante o discurso da adele dizendo que lemonade que devia ter ganhado o grammy, esse gif é a resposta pra algum outro post de alguém dizendo algo que te emocionou (ou que você decidiu usar a ironia de se fingir emocionade). então, a gente já estabelece aqui uma diferença importante: o react é uma resposta a algo dito no discurso.o segundo exemplo é um pouco mais complexo. vamos usar aqui a nazaré confusa. ipsis literis, o uso desse meme é uma resposta a algo dito no discurso. ele é uma versão imagética da sensação de confusão. então o que distingue ele de um react? eu, particularmente, acredito que a condição de viralidade importa, e que isso é algo que influencia o fim do hipergênero discursivo. mas também acredito que o meme da nazaré confusa era usado como contínuo no discurso, mesmo fora do digital. quando se fala desse meme, é mais comum ouvir “tô a nazaré confusa aqui” ou “fiquei a nazaré confusa”. não existe uma comparação no nível do discurso. você não fica tipo a nazaré, você está a nazaré. mas isso não é tudo. o que acontece com memes tipo a nazaré confusa é que ninguém modifica a imagem. ela segue a mesma. o que muda é o texto que faz par com ela.
e, acredite ou não, é assim que chegamos nos memes do 9gag. porque esses memes são meio que o primeiro e o segundo exemplos juntos. você pode usar o formato “completo” do meme, ou a versão “curta” do meme. tipo, dá pra você usar as quatro quadras do boneco palito comendo cereal OU só o boneco palito cuspindo o cereal. os dois são memes, mesmo que o segundo pareça mais um react. mas esse tipo de meme não é modificado, só repetido.
conversando com a alientícia, a nossa conclusão é que a grande diferença entre um meme e um react tem a ver com o funcionamento de criação e organização do formato da imagem e como ele era inserido no discurso. mal ou bem, ao falarmos de memes, a gente esperava um estilo específico de imagem. no caso do 9gag, por exemplo, você sabe que vai ser uma daquelas carinhas feias e é isso. a construção do humor se dava porque você sabia o que esperar. e porque a gente sabe o que esperar, a gente considera um meme. ele tá ali dentro de algo que conhecemos, ou seja, um estilo que indica um gênero ou hipergênero do discurso. e isso vale tanto pra estrutura da imagem (tal como o chico feliz, chico triste) como pra uma imagem que é repetida sem modificações (a nazaré confusa).
mas quando estamos falando do uso de imagens hoje em dia, pode ser qualquer imagem. é a foto da ashley tisdale posando em frente a um carro, uma imagem muito pixelada da inês brasil, uma galinha de mochila ou uma vaca olhando o mar. tanto faz. pode ser qualquer coisa.
agora, é porque pode ser qualquer imagem que a gente não tem como saber o que vem a seguir. a não ser que você conheça a pessoa e saiba os costumes de discurso digital dela. por exemplo: eu sei que minha amiga av vai usar a foto da vaca olhando o mar quando ela quer dizer que está pensativa porque estou acostumada a interagir com ela via plataformas digitais e ver o que ela posta on-line. mas se é uma pessoa que não conheço direito ou um perfil que vejo pouco ou mesmo um perfil que tá aparecendo pra mim pela primeira vez, outra imagem pode ser usada pra mesma coisa. só que não tenho como prever qual que é. a gente não tem como esperar o que vem a seguir. essa imagem é quase randômica pro receptor. e, de certa forma, isso é mais próximo de uma “reação” de uma pessoa; afinal, cada um reage de um jeito, tem um rosto e age de maneira diferente.
nesse sentido, essa imagem randômica (para o receptor, não para o emissor) acaba sendo mais próxima de uma “reação humana” do que um meme, que é repetido inúmeras vezes. é claro que essa imagem pode ser repetida também, porque é uma imagem na internet, qualquer um pode pegar e postar. mas ela não vai ser reproduzida da mesma forma que um meme. nem vai ser modificada da mesma maneira. ela não tem a mesma “qualidade viral”
.isso nos leva a três questões diferentes. a primeira e que mais me salta aos olhos é que voltamos ao que conversei com minha amiga lulu, e que alientícia trouxe também pra nossa conversa um pouco depois. nós estamos falando de um momento de extrema personificação do nosso discurso digital. e aqui nem falo só de como pessoas que usam a internet, mas também considerando marcas e empresas que começaram a se passar por “pessoas” fictícias em seus perfis – a Lu da Magalu, aquela criança da Casas Bahia, ou mesmo o jeito esquisito que a Wendy's ou a Netflix se comunicam pelo tuíter. isso importa por dois motivos: o primeiro é que empresas começam a se apropriar do discurso digital, mas não de um jeito natural, mas sim cooptado para as vendas. isso faz com que elas destruam o humor da coisa e matem os memes (específicos, não necessariamente o hipergênero. por mais que acho que acaba que isso contribui pra esse fim do hipergênero, sim) ou fórmulas discursivas. o segundo motivo é que essa personificação de empresas é só uma versão extrema do que já está acontecendo na internet e que falamos lá em cima: estamos vivendo uma grande mudança de estruturação da internet que prioriza a individualização do que é postado on-line e dificulta a criação coletiva. e vamos deixar claro que isso vem da ideologia capitalista neoliberal que toma cada vez mais toda a internet. mas não preciso desenvolver isso, basta vocês lerem a ideologia californiana.
aqui cabe dizer também que essa é uma das coisas interessantes do áudio viral. como as noções de autoria de áudio são mais fechadas do que de imagens ou mesmo textos, a publicidade não consegue cooptar o áudio viral da mesma maneira que coopta outras mídias. porque as chances de elas serem processadas é muito maior. isso faz com que me pergunte se esse é um motivo pra gen z preferir o tiktok a outras redes. será que o áudio viral, por ser mais protegido por lei, acaba também sendo protegido da coopção ao capitalismo? será que isso é uma questão pra gen z? não sei.
a segunda questão que considero é o tanto que os discursos digitais agora não se dão apenas no digital. com a internet cada vez mais presente na nossa vida pralém das telas dos nossos dispositivos, o que vemos, lemos e ouvimos nas redes se manifesta na nossa vida em momentos que não estamos nos comunicando através dessa estrutura multimidia digital. então, quando estamos batendo papo com nossos amigos e alguém fala algo que te lembra um meme, se o interlocutor não reconhece o meme de cara, fica chato. porque um meme não tem graça falado, só tem graça visto. então, quando a gente começa a falar sobre o assunto, fica chato. e a maneira de voltar a criar humor é transformando a estrutura de inserir uma imagem junto ao texto não mais num meme, mas em alguma outra coisa que a gente possa mimificar quando falando em pessoa. o que explicaria tanto os reacts quanto os áudios virais.
e aí tem a terceira questão, que é os gays do tuíter.
os gays do tuíter
eu vou aqui falar em gays em vez de comunidade lgbtqiap+ porque acho que a questão é mais comum na cultura tuiteira de homens gays, mas não quer dizer que outras pessoas envolvidas de alguma maneira na comunidade queer não façam o mesmo. afinal, comunidades criam culturas e vice versa etc e tal. não sou antropóloga, deus abençoe.
na conversa com a alientícia, ela falou uma hora: “acho que to pensando muito em termos de gays do twitter mas tem essa coisa da pessoa usar a mesma imagem por uma época, e depois outra”. essa foi uma questão que a av também trouxe.
talvez, os gays tuiteiros sejam aqueles que mais têm algo próximo de um meme. eles usam mais reacts do que memes ultimamente, mas ainda existe um certo tipo de imagem que você pode esperar. a av disse o seguinte: “lendo muito superficialmente […] acho que existe um novo gênero (ou talvez subgênero) que é a repetição intensa de uma imagem estática ou trecho de vídeo pra ilustrar uma fala. e essa imagem/video pode ou não estar conectada ao conteúdo pra formar um [sic] piada, mas na maioria das vezes não tá”, então ela exemplificou com “todos os estáticos com aquela cara da gretchen”.
os estáticos da gretchen, da tulla luana, da inês brasil etc. com legendas do tipo “quando eu te contar todo meu sofrimento estrutural sistêmico” talvez sejam os últimos memes, porque são usados da maneira mais próxima que usávamos o grumpy cat ou qualquer coisa do tipo. esse é um “subgênero”
de imagens em que o texto é estruturante como formato (tal como seria a estrutura feliz/ triste do meme do chico) ou que a imagem é repetida sem modificação. o que acho interessante, no entanto, é que diferente da nazaré confusa ou outras do tipo, essas imagens são só fotos, mas em geral com uma qualidade muito baixa da imagem. com tudo isso, o que fiquei me perguntando é se, pela primeira vez, os gays estão ficando pra trás nas tendências. ou será que esse tipo específico de estáticos que eles costumam usar já são reacts, mas que ainda demonstram vestígios do meme? será que podemos considerar esses os exemplos da transição de hipergêneros?antes de continuarmos a tentar responder essa pergunta, queria também comentar rapidamente sobre o outro exemplo que a av deu foi o do vídeo da banda takita. mas como disse a alien, “a graça não é você ver o vídeo e sim ver ele repetido várias vezes na tl com as pessoas falando ‘vou comprar pão hj’". mas isso não é um meme, porque não se encaixa no que estamos falando de hipergênero discursivo. a gente pode pegar também o vídeo do patrisio se fuerte, que também fica mais engraçado quanto mais você vê. é uma questão de repetição. e a hipótese que tive com a alien é que, talvez, a noção da repetição faça com que as pessoas fixem uma imagem por um tempo determinado e depois troquem, porque a repetição é uma forma comum de se fazer humor. e a troca vem do tal esgotamento de tudo, que te faz usar aquela imagem por um tempo, mas depois você vai trocar por outra. o que nos leva de volta pra questão dos reacts.
de volta pra questão dos reacts
como falei lááá no começo, o gênero do discurso é definido por quatro coisas:
a ancoragem social do discurso;
sua natureza comunicacional;
as regularidades composicionais dos textos;
as características formais dos textos produzidos
um discurso não tem que ter as exatas quatro coisas pra ser considerado de um mesmo gênero que outro. vamos lembrar que a citação fala “ora” uma coisa “ora” outra. e hipergêneros são ainda mais confusos. mas depois de tudo isso que falamos aqui, voltar a essas quatro questões é interessante.
no fundo, todas essas conversas com minhas amigas mostram que estamos percebendo, mesmo que de maneira pouco consciente, a mudança desses aspectos. algumas imagens podem manter regularidades composicionais ou caracteterísticas formais de memes, mas sua natureza comunicacional é outra. por vezes, a gente pode falar de mudanças de características formais muito diferentes. ou regularidades composicionais. ou mesmo notamos mudanças de ancoragem social (aqui volto a pensar na história de empresas e publicitários matarem memes). todos os quatro aspectos têm variado e acho que a grande questão é: quando paramos de considerar um discurso pertencente a um gênero discursivo e o encaixamos em outro?
honestamente, não acho que exista uma resposta simples pra isso. mas existem outros casos interessantes. durante esse último mês, tive que me debruçar sobre blogs pessoais na minha dissertação e é muito curioso ver a produção de ad sobre o assunto. até mais ou menos 2009, os posts de blog eram considerados do mesmo gênero discursivo do diário, mas vários discursistas começaram a argumentar que, por mais que existam semelhanças, existem diferenças muito grandes que fazem um post de blog ser um post de blog, não uma entrada de diário. são diferenças em níveis estruturais que modificam o discurso a ponto de se tornar outro gênero. mas a gente também só pode chegar a essa conclusão porque teve tempo e volume de produção suficiente pra que as diferenças se tornassem mais sólidas e, bom, diferenciais.
o que me pergunto é se vamos chegar a esse ponto com os memes e reacts e outras imagens que circulam a internet nessa mistura de construção coletiva e individual. será que as mudanças estruturais das redes digitais e as mudanças da manifestação do digital fora dele mesmo (o famigerado IRL, de acordo com minha amiga lulu) já estão influenciando hipergêneros que surgiram nessas redes? será que o meme, como hipergênero discursivo, está acabando? será que usamos “meme” como um termo guarda-chuva para outros hipergêneros porque eles ainda não têm tempo e volume de produção o suficiente pra diferenciação ser significativa? eu não sei. mas que fique registrado que tô pensando nisso e fazendo minhas amigas (e agora vocês) a pensarem nisso também. e, se cês chegarem a alguma conclusão, bora conversar.
com essa me despeço!
bjoks,
clara 🛸
mas acho que a gente tem que parar e conversar sobre o que consideramos viralidade hoje em dia. mas não sou eu que vou começar essa conversa. pelo menos, não hoje.
ainda tem muita discussão sobre essa mudança de rede social pra rede de performance. com certeza vai ser um assunto que vou elaborar com calma em outro momento, mas aqui vamos partir de uma ideia meio geral de que a rede social é/ era usada mais para comunicação entre usuários “num mesmo nível” enquanto a rede de performance é mais focada na exposição de um usuário que vai “criar conteúdo” pros outros consumirem. basicamente: a rede de performance é hierárquica e de via única, enquanto a rede social permitiria uma “mão dupla” nas interações. mas, de novo, tem muito a se discutir sobre isso e ainda estou pensando pensamentos.
associo isso ao que o han fala em No Enxame sobre como a curta duração de um texto faz a gente parar de pensar direito, porque não temos mais o espaço ou tempo para analisar algo. então meio que, no fim, fica todo mundo mais burro kkkk o han visa muito o tuíter ao falar dessas coisas, mas acho que dá pra aplicar parte ao tiktok. também penso muito nesses modelos estéticos do tiktok como uma questão do neoliberalismo digital, mas, de novo, isso vai ter que ser assunto pra uma próxima.
dsclp aí a falta de criatividade
não vou desenvolver, te vira aí
não confundir com gêneros e hipergêneros do discurso!!!!!!!
ainda venho aqui falar sobre o que raios significa baixa qualidade de imagens em memes ou reacts de gays, pois Tenho uma Teoria
memes cairão mas reacts vão se erguer
olar! queria perguntar se vc tem alguma referência de artigo ou acadêmica sobre essa questão das redes de performance. to montando um projeto de mestrado e esse conceito seria muito útil pra mim!