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usei zolpidem e entendi o que é corecore
corecore, enxames digitais e jô soares contra o suicídio
🛸 olá, internautas! 🛸
em janeiro desse ano, apareceu no tiktok essa “nova estética” nomeada corecore. chamar de estética ou, bom, ~aesthetics~ é complicado, porque não é beeem uma estética assim em termos acadêmicos e ouso dizer nem mesmo em termos internéticos, tá mais pra uma hashtag, honestamente, mas ok. o que importa é que as pessoas compraram a ideia de que existe Algo chamado corecore e que isso está diretamente relacionado à visualidade. daí, como de costume, apareceu um bando de matéria tentando explicar o que é essa nova aesthetic. e falhando miseravelmente.
pra ser honesta, tenho questões com essa necessidade millennial de ter que relatar qualquer bobagem que surge na internet, porque acho que é muito mais um reflexo da nossa memória de crescer numa internet que ainda estava se formando do que um relato decente de como as novas gerações usam a internet hoje em dia. e acaba que essa obsessão dá uma magnitude pra coisa que não necessariamente é (ou deveria ser) o tamanho dela. mas, tipo, a gente também não deu bola pra certas coisas que acabaram dando na volta do nazismo, né, então é complicado… sinto que quando tratamos dessa necessidade de relatar/ noticiar qualquer coisa esquisita que adolescentes fazem estamos passeando entre traumas e bobagens geracionais. e esse é um assunto bacana, mas não é disso que vim falar hoje.
hoje, na verdade, eu vim fazer exatamente o que acho esquisito de fazer: falar de uma bobagem. meu plano era falar disso mês passado, na real, mas daí achei que perdi o timing. mas esses dias fiz uma thread de signos no tuíter e muita gente ficou o que raios é corecore. então decidi vir aqui contar pra vocês.

o corecore acabou aparecendo no meu ~radar nessas de adultos tentando definir o que era. o primeiro post que vi sobre o assunto – e também o melhor – foi o artigo do no bells: this is corecore (we’re not kidding), o que é um título muito engraçado porque você sabe que assim que disser que existe algo chamado corecore, seu interlocutor vai mandar um grandíssimo AH NÃO. e, sabe, eu respeito isso. respeito o cansaço reativo a quando alguém fala algo que soa muito imbecil. é a reação que tenho toda vez que alguém menciona o chatgpt perto de mim. mas a principal diferença entre o chatgpt e o corecore é que o corecore tem esse nome ridículo, mas também muito bom. que foi o que me levou a clicar no primeiro link que apareceu sobre o assunto pra mim.
esse nome ridículo, mas também muito bom
corecore vem da junção do sufixo -core com o sufixo -core, o que é algo HILÁRIO de se escrever.
um tempo atrás, uma galera da northwestern university compartilhou esse google docs com um estudo aberto sobre -core chamado On -Core, que vale a pena dar uma olhada. bem no comecinho, eles já estabelecem que -core é um termo, antes de tudo, descritivo:
This is now the usual mode for -cores: not movements, not even necessarily emergent trends, though that is somewhere closer to the truth. At its purest, it's a descriptor of interlinked phenomena.
lendo a pesquisa e juntando com outras leituras, sugiro a interpretação de -core como um enxame:
O enxame digital não é nenhuma massa porque, nele, não habita nenhuma alma, nenhum espírito. A alma é aglomerante e unificante. O enxame digital consiste em indivíduos singularizados. A massa é estruturada de um modo inteiramente diferente. Ela revela propriedades que não podem ser referidas aos indivíduos. Os indivíduos se fundem em uma nova unidade, na qual eles não têm mais nenhum perfil próprio. Um aglomerado contingente de pessoas ainda não forma uma massa. […] Os indivíduos que se juntam em um enxame não desenvolvem nenhum Nós. Não lhes caracteriza nenhuma consonância que leve a massa a se unir em uma massa de ação. O enxame digital, diferentemente da massa, não é em si mesmo coerente.
nenhum -core é propositivo. em geral, estamos falando de pessoas que acham um certo estilo (de roupa, de foto, de casa, de música, de vida) bonito. ou, bom, pelo menos bacana. não existe nenhuma proposta, é o estilo pelo estilo, sem que isso também seja proposto como o modernismo propões a arte pela arte. no fim, estamos falando só de pessoas diferentes que gostaram de algumas fotos.
os -core não unem as pessoas nesse sentido da massa. cada um adere por conta própria – alguns de maneira mais intensa, outros só casualmente –, sem se relacionar com outros que também aderem o -core. como é um fenômeno que surge a partir de imagens no digital, não existe um ou mais espaços que reúnam as pessoas a ponto de formar uma comunidade. você vê fotos e vídeos e pode até seguir um ou outro “produtor de conteúdo”
, mas não existe a produção de uma união, nem de um senso de união. cada um continua seguindo com a sua vida e é isso aí.por isso o enxame. são pessoas que se juntam ali rapidinho e depois seguem com a sua vida. fico pensando o -core como enxames visuais. um bando de gente que de repente tá ali postando um tipo de imagem e depois cansa e vai fazer outra coisa.
pensando assim, fica interessante esse nome corecore. porque, a princípio, a sensação produzida por esse nome é, no seu bluepilled, uma bobagem completa, e no seu redpilled, a exposição de uma essência da realidade digital (core, afinal, é também cerne, núcleo, âmago). mas se um maluco vestido dos pés à cabeça de preto chega pra tu com duas balinhas na mão dizendo que vai te mostrar uma outra realidade, meu irmão, tu vai pra casa porque isso daí é o primeiro passo pra acordar na banheira sem os rins. usar drogas tudo bem, ser otário é que não dá.
mas então tá. se -core é um enxame, o que é corecore? enxame de enxame. bom jogo de palavras, amiga, mas o que isso realmente quer dizer?
bom, tá na hora da gente ver uns corecore.
tá na hora da gente ver uns corecore
depois de ler um monte de gente não conseguindo explicar vídeos corecore nem em forma nem em conteúdo, eu decidi fazer algo que tinha me prometido não fazer. eu já tinha tomado meu remédio pra dormir, estava deitada na cama pensando sobre -cores e pensei: bom, ninguém vai conseguir descrever isso pra mim, então vou ter que ver na fonte. então, baixei o tiktok.
o primeiro vídeo que apareceu pra mim quando busquei por #corecore foi esse aqui:
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daí eu pensei: ah, tá, é uma crítica à alienação imposta pelas tecnologias emergentes. blz.
então, fui pro próximo:
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ah, tá, uma crítica ao consumismo. blz.
mais um, porque essa coisa de tiktok é muito rápida:
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mais uma crítica ao capitalismo, mas agora usando o olhar infantil que ainda não foi completamente socializado e por isso consegue jogar com a língua de uma maneira que, pra nós, já socializados, soa inesperada. blz tbm.
nesse ponto, eu já tava salvando todos os vídeos pra minha amiga lulu. na nossa conversa de tele, mandei o link do primeiro vídeo pra ela à 00:58 da manhã do dia 11 de março. às 21:52 do mesmo dia eu disse: “Descobri o que é corecore”. às 22:23, ela me mandou uma figurinha do Namjoon segurando os óio aberto e disse: “Me contee/ Que eu ainda não entendi”.
“Amiga, é simples”
amiga, é simples
mas, pra fazer mistério, deixa antes eu contar um pouco do momento mais sórdido da minha vida, a adolescência.
nessa época, eu era uma das poucas meninas da escola com cabelo curto, só usava camiseta do nirvana, lia carlos drummond de andrade e, quando chegava da escola, reassistia os sonhadores, do bertolucci com certa frequência. eu era pedante, mas pelo menos achava bukowski ruim. então, quando o professor de filosofia passou na natureza selvagem pra gente, eu achei meio paia. mas gostei de quando vimos o show de truman (em partes porque não achava que o jim carrey poderia fazer um papel não histriônico).
como eu estudava numa escola de rico, vira e mexe os professores de humanas tentavam fazer os alunos se darem conta de que eram burgueses e que isso era um problema. alguns professores faziam isso bem. outros faziam isso mal. de qualquer maneira, a gente sempre acabava tendo que fazer um trabalho audiovisual com uma Crítica À Sociedade. e, muitas vezes, a gente pegava umas cenas desses filmes e colocava umas frases de efeito antes de começarmos a ler os parágrafos que tínhamos escrito na folha de caderno durante a aula.
ver esses vídeos de corecore, pra mim, foi como ver esses trabalhos de colégio que eu fazia. um bando de cena de filme pseudo cult, umas coisas que viralizaram ~nas redes~ e um papo generalista sobre a sociedade ser ruim. então, o que é corecore? em seu melhor, é trabalho escolar de adolescentes que vão se descobrir comunistas no segundo ano de faculdade. em seu pior, é trabalho escolar de adolescentes que vão se definir como qualquer versão da gíria redpilled que existir. esse próximo vídeo aqui, por exemplo, até hoje não sei se esse é homofóbico ou pós-irônico.
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de qualquer forma, o que concluímos é que corecore nada mais é do que um trabalho de alguma matéria de humanas do ensino médio.
mas em vez das crianças entregarem pra professores cansados de 30 anos, elas postam no tiktok pra receber um bando de comentário dizendo: “real”.
real
eu acho muito engraçado que a piada entre os corecore é essa de comentar “real” porque, pra mim, volta a essa ambiguidade de acreditar que aquilo é uma crítica válida e que o que tá sendo posto no vídeo é real ao mesmo tempo em que é uma grande piada de só ficar falando kk pode crê pra qualquer coisa que aparece. volta a isso de não saber muito bem até que ponto a pessoa tá falando sério e quando é que vira pós-ironia. e não acho essa ambiguidade um problema. de novo, acho tudo meio engraçado. o vídeo anterior que pode ou não ser homofóbico me fez rir muito (eu estava sob efeito de zolpidem, vale ressaltar).
como falei no começo, acho que o problema é que os adultos levam isso tudo a sério demais.
depois da primeira matéria sobre corecore, o no bells postou um outro texto perguntando: Is corecore radical art or gibberish shitpost? e, tipo, é ÓBVIO que corecore não é uma arte radical. mas também não acho que é um shitpost qualquer. essa ambiguidade que se dá na dinâmica do #corecore (e aqui acho importante colocar a #!! não vou explicar, mas pensem aí, fica de lição de casa) é um exercício importante não pra gente que tá assistindo, mas pros adolescentes que estão envolvidos nisso.
porque, sei lá, mesmo que eu ache ridículo muito do que eu fiz na adolescência, esses foram os primeiros momentos em que eu tava pensando sobre o funcionamento da sociedade e exercitando comigo mesma, com meus amigos e com colegas o pensamento crítico. é um exercício de individualidade no sentido de descobrir suas próprias crenças e, por isso, acho que é fundamentalmente um enxame. mas, ao mesmo tempo, não me parece um exercício de individualidade tão diferente do que o de escrever contos e crônicas ou tentar compor música ou sei lá mais o que adolescente faz.
sei lá mais o que adolescente faz
disse no começo que não ia entrar no assunto da minha estranheza com a necessidade millennial de reportar o que a gen z anda fazendo on-line, mas acabou que faz sentido falar um pouco mais sobre o assunto. nós, millennials, vivemos nossas adolescência em um momento da internet muito diferente do que a gen z vive. isso faz com que a gente tenha exposto muito mais de nós na internet, ao mesmo tempo que víamos esse espaço como um lugar que a gente podia construir. a gen z tem uma internet que já está dada, pronta pra eles usarem. o senso de descoberta e construção que tínhamos é diferente do senso de descoberta e construção que a gen z tem. mas existe essa sensação de qualquer maneira, porque isso faz parte da experiência de ser jovem.
crescer é se descobrir com o mundo e, mesmo que façamos isso de maneiras diferentes, a gente ainda tem que tratar os jovens como jovens e entender que eles estão aprendendo a construir argumentos pro que eles percebem – de si e do mundo.
não tô dizendo que temos que ignorar os adolescentes nem que temos levar super a sério o que eles fazem. é meio tratar de maneira pós-irônica mesmo. daí tomar um zolpidem e poder rir desse vídeo dramático do jô soares contra o suicídio.
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o que é… a vida? sei lá.
mas corecore agora a gente sabe.
bjoks,
clara
esse é o atual modo dos -cores: não são movimentos, nem mesmo necessariamente tendências emergentes, mesmo que isso esteja mais próximo da realidade. em sua maior essência, é um descritor de fenômenos interrelacionados/ interlinkados.
HAN, byung-chul. no enxame - perspectivas do digital
O QUE RAIOS ISSO SIGNIFICAAAA?!?!!? PRODUZIR????? CONTEÚDO???? ESSAS PALAVRAS SÃO VAZIAS E NINGUÉM DEVIA SE CHAMAR DISSO!!!!! mas isso é assunto pra outro dia também
usei zolpidem e entendi o que é corecore
real
Gosto das newsletters de Clara por que eu sinto que é basicamente o que eu escreveria sobre se fosse enxergante e gostasse de imagem, duas coisas que eu definitivamente não posso dizer que sou / gosto.