🛸 olá, internautas! 🛸
essa é uma newsletter que escrevi de madrugada. me perguntei bastante se fazia sentido enviá-la por aqui, porque ela é muito mais pessoal do que o que me proponho publicar na intern3t!!11. na verdade, a estrutura desse texto é a que uso na minha outra newsletter – a primeira, a original, e a que sempre me pergunto quem por aqui conhece e quem não conhece, quem lê e quem não lê.
no fim, decidi enviar esse texto por aqui porque falar sobre a percepção que tenho do que estou vivendo (uma crise de linguagem) é também falar sobre dinâmicas do capitalismo digital (uma crise social, econômica, política, estética, ambiental, total). toda vez que tento falar sobre esse assunto com alguém, todo mundo meio que reage da mesma maneira, dizendo que sofre com os mesmos problemas, mesmo que eles não aparentem na vida dos outros da mesma forma que aparentam na minha. mas já faz mais de ano que tenho notado que as causas dos nossos problemas são sempre as mesmas e, por isso, hoje decidi compartilhar essa newsletter que é ainda o começo de algo maior, bem maior, e que é muito relacionado ao que leio de outros pesquisadores, escritores e jornalistas. nada do que escrevi é novo, mas não acho que esse é o mérito desse texto, nem necessariamente da minha escrita em geral. como vocês vão ver, tenho tido muita dificuldade pra articular pensamentos. então peço, por favor, um pouco de paciência. isso aqui é só um começo e um meio. ainda não tem fim.
como sempre, vocês estão sempre convidades a me responderem seja por e-mail, seja deixando um comentário.
afinal, ideias surgem a partir de muita conversa.
então, bora lá.
tenho pensado muito sobre lixo digital.
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tenho pensado muito sobre escassez.
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penso que, de certa forma, é a mesma coisa. como as imagens de rios, cidades e florestas destruídos por causa do lixo gerado por grandes indústrias e corporações.
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estou num momento de escassez de linguagem. tem sido difícil encontrar palavras, imagens, sons, movimentos que expressam o que quero, o que busco. escrever se tornou um trabalho de sísifo. todo dia sento em frente ao computador e exprimo do meu cérebro as palavras que me restam. são poucas e soam erradas. todo dia fecho o computador resignada. não é isso, não é nada disso, mas pelo menos saiu algo hoje. tem dias que não sai nada. mas todo dia abro o computador e releio o pouco que fiz. todo dia me frustro com aquelas palavras. não é isso, não é nada disso.
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usar telas tem se tornado cada vez mais difícil. nada que elas mostram parece fazer sentido. nada me prende a atenção. não consigo absorver nada através de telas – mas pra ser sincera, parece que não consigo absorver nada sem elas também. fecho a tela e não sei o que fazer. não gosto de são paulo, não aguento mais ouvir essa cidade. abro a tela de novo. continuo sem saber o que fazer.
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às vezes, sinto que não penso mais. sinto que não sinto. sei que existe uma profundidade em mim, mas não a acesso. me resta viver nessa superficialidade.
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me pergunto qual é a causa da minha própria superficialidade. quero colocar a culpa no funcionamento capitalista da internet. a economia da atenção, os clickbaits, a rapidez da velocidade. quero dizer que o problema começou quando comecei a me descrever (ser?) desse jeito, extremely on-line. mas eu parei com isso faz pelo menos dois anos e minha cabeça não melhorou. então não é bem isso, é? é também, sim, claroclara. mas até escrever economia da atenção parece errado. parece velho. ficou pra trás.
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tudo o que escrevo parece erradp/
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tudo o que escrevo está fora do tom, fora do tempo atual. não consigo mais conceber a noção de agora, tudo já passou.
(((faço variações da mesma frase de sempre, a história se repete. a primeira vez como fofoca, a segunda como palhaçada.)))
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tudo já passou. até mesmo nossas previsões.
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antes, eu tinha uma infinitude de linguagem. palavras, desenhos, pinturas, fotografias. esse sempre foi meu domínio, palavras e imagens. todas se perderam.
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comecei pensando em lixo digital antes de pensar em escassez. é que nada tem propósito. e eu não sou uma pessoa que se incomoda mais com a falta de sentido, mas me incomoda a falta de propósito. então, um dia, dois anos atrás, quando já estava perdendo as palavras, decidi criar o hábito de tirar fotos. eu queria capturar a beleza de onde eu estava (a floresta), mas aos poucos fui percebendo que isso era impossível, que eu estava errada em querer algo do tipo. comecei a pensar em outros termos. minha atual busca é pela tradução da vida. mas isso é assunto pra
. pra cá, o que importa é que, um dia, as fotografias também pararam de ter propósito.*
fotografo muito do que vejo. não são fotos geniais, não é arte, é só um registro. tiro muitos prints por esse mesmo motivo. num momento em que tem sido tão difícil criar algo do zero, fotos, prints e colagens têm sido meu escape para alguma linguagem que me conecta com o mundo.
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não gosto mais dessa palavra, conexão. hoje, ela me traz cabos e mais cabos correndo entre paredes, invadindo os mares, separando o céu em pedacinhos. penso na luz azul do modem em meu escritório, sempre tremilicante.
o mesmo processo aconteceu com a palavra compartilhar.
e não é culpa de quem decidiu usar essas palavras pra aplicar a dinâmicas digitais, sabe? essas pessoas não faziam ideia. essas pessoas provavelmente acreditavam em conexão e compartilhamento, elas falavam em navegação e acesso. eu acreditei nisso também. acho que ainda acredito, mas não da mesma forma. não sei ainda colocar em palavras, não as encontro mais.
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o software do meu celular tem um aviso permanente de que está acabando o espaço que tenho de graça na nuvem. se eu quiser fazer um back-up do que tenho naquela pequena máquina pra uma máquina gigantesca, preciso pagar mensalmente pra uma empresa que pode fazer o que quiser com as minhas imagens bobinhas até, sei lá, o resto da minha vida, provavelmente. pra ser honesta, nunca li os termos e condições da nuvem que uso. por muito tempo, nem sabia qual era a empresa que a fornece – ou, bom, para quem eu forneço meus dados. um dia só comprei um celular e ele automaticamente começou a salvar os prints e fotos que eu tirava.
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esse é o primeiro print que está na nuvem atrelada ao meu celular.
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não é bizarro pensar que cada foto, cada print, cada mensagem, cada nota de celular consome um pouquinho de energia não só no seu aparelho, mas também em um galpão enorme que não sabemos exatamente onde fica? e que esses pouquinhos vão se somando durante os dez, vinte, trinta anos que se passam? e a gente simplesmente esquece. mas eles seguem lá. e cada um desses pouquinhos vai virando um monte e cada monte se junta com outros montes, tem alguns como os de grandes empresas digitais que são gigantes e tudo isso vai se juntando e consumindo mais e mais energia porque, no fundo, tudo isso é um bando de volts, uns pequeninos choquinhos, mas nessa quantidade insana, imensurável, e energia se consegue com queima de petróleo e material químico, hidrelétrica, tudo isso causa mudanças climáticas que tornam a vida cada vez mais impraticável, tudo isso fode com o planeta e, sei lá, mesmo as tais energias limpas, ainda tem a produção de placas solares e construção de moinhos de vento. tudo é um pouco esquisito e tudo é em quantidades absurdas, e tudo isso pra eu ter dúvidas se sou BORF ou BURK?!
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foi assim que tudo começou. um dia me dei conta: tudo isso é lixo digital. as fotos, os prints, os áudios, as palavras digitadas, os emojis, os vídeos. tudo isso é lixo digital e não consigo encontrar uma justificativa para produzi-lo. e, ainda assim, abro telas e mais telas. escrevo, fotografo, gravo, salvo. envio e recebo.
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nunca teve tanto de tanto, dizem. e eu acredito porque olha pra essas telas. eu não aguento mais olhar.
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outro dia, a conta avocado_ibuprofen postou um story que mostrava um monte de pôster igual de filmes diferentes dizendo que tudo parece gerado por IA já faz uns 15 anos e eu printei pra usar numa newsletter aqui.
minha ideia era falar de como IA é sim uma ferramenta, mas questionar o que faz ela existir. os benefícios que tiramos dela são quais? o reconhecimento e recriação de padrões que uma IA consegue fazer, pra mim, não é pra ajudar criadores/ artistas, mas sim pra ajudar a produção capitalista. é uma produção que já existe faz muito, muito tempo. só que agora vai ser ainda mais massificado, porque a IA faz o processo ser exponencialmente mais rápido e consegue criar mais quantidade. e esse print, pra mim, é o resumo disso. assim que vi esses stories, respirei fundo e pensei comigo:
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quais a lógica e valores de uma sociedade que precisa de uma ferramenta como a inteligência artificial?
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é mais lixo. produzido muito mais rápido e em muito mais quantidade que minhas fotos do mato e de objetos esquisitos que compartilho em correntes de instagram no fim do mês. e eu já me sinto tão culpada, tão sem propósito de gerar tudo isso. que eu só consigo pensar que, cacete, é por essas e outras que odeio o marketing. brincadeira. o que penso mesmo é que, puta que pariu, a gente precisa destruir o capitalismo em todas as suas formas. e isso inclui o que quer que esteja acontecendo nos eua e também o que quer que esteja acontecendo na china.
mas só destruir não basta. é preciso criar, construir, plantar, germinar, cuidar. mas todas essas palavras também soam velhas, não soam?
é de uma ironia amarga que, com tanta coisa no mundo, ainda me faltam palavras.
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eu queria ter mais o que dizer, mas me sinto superficial como uma tela. que rolo.
bjoks,
clara
Passaram vários filminhos na minha cabeça enquanto lia seu texto. Sou da turma que tem pensado muito sobre isso. Pensei na minha ingenuidade (e a de todo mundo) em acreditar (ou querer) que a IA tiraria de nós tudo que é relacionado à produtividade deixando-a para os robôs. Teríamos assim mais tempo livre e mais tempo pra criar. Mas o contrário é o que acontece pq não temos tempo pra mais nada. Lembrei do livro “Terra Arrasada” que explora a possibilidade de um mundo off-line. Mas só mais uma utopia.
Clara, que texto maravilhoso!!!! Obrigada por compartilhar. Me lembrou muito um e-mail da Lorde que ela falava como estava se sentindo com a internet ultimamente "I go online and look at everyone. Beautiful people sing to me. Everyone’s gotten really good at the same thing. I look at arched backs and wet flower mouths, the right bag, the right sunglasses. I wonder if it feels as good as it looks, it’s been so long since I chose the best picture from a hundred, lined it up like pulling an arrow taut in a bow, and let it go. Everyone looks very thin. Just thinking that makes me feel tired and far away. I’m not sure if it’s having an effect on anyone else. I keep spending money, wondering if what’s in the package will make me feel right, but I guess I buy the wrong things"